MC Carol conta como abandonou homens que atrapalhavam sua vida para chegar à ‘melhor fase’

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Para defender carreira, cantora rompeu com empresário e deixou namorado que escondia até desodorante por ciúmes. Ela fala ao g1 sobre perrengues, ‘surto’ e show no Primavera Sound. MC Carol ficou conhecida por cantar a liberdade feminina numa época em que o tema era raro no funk. Mas, enquanto fazia sucesso com músicas como “Meu Namorado É Maior Otário”, vivia o machismo dentro de casa.
No relacionamento com um homem que não apoiava sua carreira, ela conta que precisava “lutar na mão, literalmente”, para conseguir subir aos palcos.
“Teve um ponto em que ele escondeu o desodorante. Queria que eu fosse trabalhar fedendo, porque achava que, toda vez que eu saia de casa, estava traindo ele”. O relacionamento durou 13 anos, até que Carol decidiu colocar um fim na situação.
Não foi o único homem que ela precisou abandonar para crescer na música. A artista diz que deixar de trabalhar com uma equipe masculina para contratar uma empresária, em 2016, foi um ponto de virada na carreira.
Em seu terceiro álbum “Tralha”, lançado neste ano, ela comemora ter chegado à “melhor fase”.
“É um rio de diferença trabalhar com uma mulher preta”, afirma. “Antes, não tinha nem água no meu camarim, hoje em dia tem Toddynho.”
Em entrevista ao g1, Carol falou dos homens que só atrapalharam sua vida e contou do “surto” que a fez querer abandonar a vida de artista, no início de 2023. Ela também lembrou as referências de infância e adiantou como será seu show no Primavera Sound, festival que acontece neste sábado (2) e domingo (3), em São Paulo.
g1 – Em “Vampiro de Madureira”, uma das músicas do “Tralha”, você cita que passou sufoco, mas agora está na sua melhor fase. Você sente isso?
MC Carol – É muito complexo porque, numa hora, eu estou bem no relacionamento, mas estou ruim no trabalho. Em outra hora, estou bem no trabalho e ruim no relacionamento. Agora eu estou numa fase bem tranquila. Acho que minha vida começou a melhorar depois que eu conheci minha empresária atual. As coisas mudaram bastante.
A funkeira MC Carol
Divulgação
g1 – Por quê?
MC Carol – [Na carreira] era tudo muito desorganizado, sabe? Eu tinha uma equipe de homens brancos, machistas, mais velhos. Parecia que eu trabalhava para os caras, entende? Eles não tinham respeito, não viam a parada como trabalho, viam como diversão. Eu nunca vi assim. Acho que você tem que ter compromisso.
Hoje a minha empresária é uma mulher negra, sabe me ouvir e me incentivar. É um rio de diferença trabalhar com uma mulher preta. Eu só cantava em comunidade, não existia contrato. Depois que passei a trabalhar com ela, fui convidada para o Lollapalooza e para dar palestra nos Estados Unidos.
“Antes, não tinha nem água no meu camarim, hoje em dia tem Toddynho.”
g1 – É muito comum ouvir de cantoras que os bastidores da música são ainda muito dominados por homens. Como é sua relação com eles?
MC Carol – Hoje em dia eu nem tenho relação com eles. Teve um [ex-empresário] que foi num podcast, reclamar de mim. Ele fala assim: “Eu sofri um acidente e Carol me abandonou”. O equipamento do show estava na mala do carro. Ele bebeu, o carro capotou e eu perdi a apresentação [O empresário Leonardo Cezareth confirmou em entrevistas que havia bebido antes do acidente].
Ele até fala: ‘Carol é muito profissional’. No fim, ele me elogiou né? Abandonei mesmo e vou abandonar qualquer um que eu achar que está me atrapalhando. Eu fui criada pelos meus bisavós e, com 14 anos, tive que morar sozinha, tive que me sustentar: abandonar a escola para começar a fazer bicos. Um pouco depois, entrei no funk e deu certo. Então eu não vou levar minha vida na brincadeira. Eu sempre fui muito certa do que eu queria.
“A minha ostentação, quando comecei a ganhar dinheiro, eram três jarras de suco no hotel. Já os caras pediam garrafas de uísque, drogas, mulheres… Em todo estado em que a gente pisava, eles queriam conhecer o “puteiro” do lugar.”
g1 – Em abril desse ano, você tuitou que 2023 seria seu último ano artístico, e também definiu o meio da música como um ambiente perigoso. O que estava acontecendo naquela época?
MC Carol – É sobre é sobre internet, sobre a sua vida estar exposta o tempo todo. Eu tenho muita responsabilidade, desde os 14 anos. Nunca tirei férias. Naquele momento eu estava sobrecarregada, estava fazendo muita coisa. Hoje estou com outro pensamento, mas não sei, não sei o que pode acontecer ano que vem.
Se um dia eu relaxo e não olho o WhatsApp, se decido que não vou resolver nada, quando eu acordo no outro dia, parece que o mundo vai cair na minha cabeça. E, nisso, já são 13 anos.
“Quando você faz a conta, vê que não teve filho, não construiu família, não casou, só trabalhou, só viveu em hotel, na estrada, no aeroporto.”
É muito complexo. Eu gosto muito do meu trabalho, só que é difícil equilibrar as coisas. O artista não pode ficar doente, não pode ter problema na vida pessoal. Se você brigar com o teu marido, o problema é seu. Você vai ter que entrar no palco sorrindo. Ninguém que pagou o ingresso quer saber. Depois de 13 anos assim, você fica um pouquinho surtada. E o diário do artista é o Twitter. Eu fui desabafar lá.
Capa do álbum ‘Tralha’, de MC Carol
Divulgação
g1 – O “Tralha”, como todo o seu trabalho, fala de sexo de forma explicita. Pelo que você acompanha das reações, acha que a crítica, a indústria e o público ainda são moralistas com quem aborda esse tema de forma direta?
MC Carol – Sabe aquele filho que a mãe já nem liga mais? Acho que eu sou isso. As pessoas falam: essa menina é depravada mesmo, ela fala que vai bater em homem. Eu sou a causa perdida.
Eu acho que o Brasil está tendo que engolir, sabe? E o reflexo disso é o funk cada vez mais presente nos festivais, na televisão. O Brasil parou de lutar contra isso. A galera conservadora não desistiu, mas é uma coisa que não tem mais como segurar.
g1 – Você acha que o espaço dado à música periférica nos festivais já é justo?
MC Carol – Nos festivais que eu estou participando, tem a galera preta, tem a galera periférica. Estou vendo o funk chegando, porque eles ainda são muito concentrados no rap. Mas, sobre mulheres, elas ainda são minoria nos festivais.
g1 – Para o seu show no Primavera, o que você está preparando?
MC Carol – A mesma coisa de sempre. Eu vou acrescentar “Vampiro de Madureira”, música nova. Não vou cantar o álbum novo inteiro, porque eu acho que é muito recente, a galera ainda não tem na ponta da língua.
g1 – Você ficou famosa no início dos anos 2010, com músicas que já falavam sobre machismo e liberdade feminina, numa época em que esses temas não eram tão comuns na música quanto são hoje. Como essa consciência surgiu na sua vida?
MC Carol – Eu nasci feminista. Na escola, eu já era problemática e eu não entendia o porquê, já que eu não conhecia o termo feminista. Mas eu já brigava por coisas que eu queria. Por exemplo, eu gostava de jogar bola e não podia porque a quadra do colégio era só dos meninos. Isso já me incomodava.
“Eu sempre fui chamada de problemática. Hoje eu entendo que é porque eu era uma criança feminista.”
Eu via os meninos falando o que eles queriam e as meninas não podiam falar sobre os mesmos assuntos. Então eu quis falar sobre isso. Eu pegava as histórias, virava do avesso e me colocava como protagonista. Deu certo porque é chocante ouvir da boca de uma mulher a mesma coisa que o homem fala. Não era comum.
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g1 – Esse feminismo veio da sua criação?
MC Carol – Minha criação foi assim: meu bisavô me criou livre na rua, brincando com os meninos. Ele sempre falou que eu tinha que estudar, que tinha que virar policial, que tinha que ter meu trabalho e minha casa. Mas, ao mesmo tempo, ele era um cara machista. Minha bisavó tinha que levar até um copo de água para ele. Minhas lembranças dela são todas na cozinha, fazendo comida.
“Eu cresci querendo ser meu bisavô, o homem da casa. Queria ser a pessoa que é servida.”
Me perguntam muito isso: qual é a mulher que você vê como referência na sua infância? Não é a minha bisavó, é o meu bisavô.
g1 – Você conta em entrevistas que teve um relacionamento com um homem que não apoiava sua carreira: cantava sobre feminismo, enquanto vivia o machismo dentro de casa. De alguma forma, essa experiência afetou a sua música?
MC Carol – Só ajudou a minha música, minha raiva. Eu subia no palco com uma raiva… Eu tinha que lutar na mão pela minha carreira, literalmente. Antes de sair de casa, tinha briga. Quando eu voltava, era ainda pior. A pessoa sempre tentava me sabotar: escondia uma roupinha aqui, um sapato ali, escondia maquiagem…
“Teve um ponto em que ele escondeu o desodorante. Queria que eu fosse trabalhar fedendo, porque achava que, toda vez que eu saia de casa, estava traindo ele.”
Eu dava meu jeito. Sempre fui nos meus compromissos, mesmo sendo sabotada. Eu tinha 17, 18 anos, estava começando a viver. E tinha a esperança de que a pessoa ia melhorar, ia entender, porque ele também usufruía do que eu ganhava. Quando eu vi, tinha ficado 13 anos com essa pessoa.
Não precisava ter passado por isso. Hoje tenho um relacionamento com alguém que me acompanha, me apoia. Fico pensando: se eu tivesse conhecido essa outra pessoa lá atrás, minha vida teria sido tranquilona.

Fonte: G1 Entretenimento